
Princípios básicos para cuidar de si mesmo
Acabe com a vítima
Somos muito cuidadosos para que ninguém
fique magoado. Isto é, ninguém, menos nós mesmos.
– Frequentador do Al-Anon
Quando já estava havia mais ou menos um ano recuperando-me da codependência, descobri que ainda fazia repetidamente algo que me afligia. Desconfiava que esse comportamento tinha algo a ver com a razão pela qual meus relacionamentos nunca davam certo. Mas eu não conseguia descobrir o que eu estava fazendo, por isso não podia deixar de fazê-lo.
Um belo dia, enquanto caminhava com meu amigo Scott, virei-me para ele e perguntei:
– O que os codependentes fazem sempre? O que fazemos para continuar a nos sentir tão mal?
Ele pensou um instante antes de responder:
– Os codependentes são tomadores de conta, são salvadores. Eles salvam, depois perseguem, depois terminam sendo vítimas. Estude o Triângulo de Dramas de Karpman – disse ele.
O Triângulo de Dramas de Karpman e os correspondentes papéis de salvador, perseguidor e vítima são trabalho e pesquisa de Stephen B. Karpman.1
O que Scott disse não fazia sentido, mas fui para casa, peguei alguns livros de terapia que juntavam poeira nas estantes e estudei-os.2 Depois de algum tempo, uma luz se acendeu em minha mente. Consegui enxergar. Compreendi. E senti-me como se tivesse descoberto o fogo.
Então era isso. Assim era o meu comportamento. Assim é o nosso comportamento. É isso que repetidamente fazemos com amigos, parentes, conhecidos, clientes ou qualquer um à nossa volta. Como codependentes podemos fazer muitas coisas, mas esse padrão corresponde ao que fazemos melhor e com mais frequência. É a nossa reação favorita. Nós somos os salvadores, os capacitadores. Somos os bisavós ou padrinhos do mundo inteiro, como diz Earnie Larsen. Não somente satisfazemos às necessidades das pessoas; nós as adivinhamos. Nós consertamos, educamos e nos preocupamos com os outros. Nós fazemos melhor, resolvemos e atendemos. E fazemos tudo isso muito bem. “Seu desejo é uma ordem”, é nosso lema. “Seu problema é meu problema”, é nosso ditado. Nós somos aqueles que tomam conta.
O QUE É UM SALVAMENTO?
Salvar e tomar conta significam quase o que parecem dizer. Salvamos as pessoas de suas responsabilidades. Tomamos conta das responsabilidades delas. Depois ficamos com raiva delas pelo que nós fizemos. Então nos sentimos usados e com pena de nós mesmos. Esse é o padrão, o triângulo.
Salvar e tomar conta são sinônimos. Suas definições estão estreitamente ligadas a capacitar. Capacitar é um jargão terapêutico que significa uma forma destrutiva de ajuda. Quaisquer atos que contribuam para que o alcoólico continue a beber, para evitar que o alcoólico sofra consequências, ou para de alguma forma fazer com que seja mais fácil para ele continuar a beber são considerados comportamentos capacitadores.
Segundo o terapeuta Scott Egleston, salvamos sempre que assumimos a responsabilidade por outro ser humano – pelos seus pensamentos, emoções, decisões, comportamento, crescimento, bem-estar, problemas ou destino.
Constitui salvar ou tomar conta:
• Fazer algo que realmente não queremos fazer.
• Dizer sim quando queremos dizer não.
• Fazer algo para alguém, embora essa pessoa seja capaz e devesse estar fazendo isso por si mesma.
• Atender às necessidades das pessoas sem que isso nos tenha sido solicitado antes ou que tenhamos concordado em fazê-lo.
• Fazer mais do que nos foi solicitado.
• Dar substancialmente mais do que recebemos numa determinada situação.
• Consertar os sentimentos das pessoas.
• Pensar por outras pessoas.
• Falar por outras pessoas.
• Sofrer as consequências por outras pessoas.
• Resolver os problemas de outras pessoas.
• Numa atividade em conjunto, dedicar mais interesse e esforço que outra pessoa.
• Não pedir o que precisamos ou desejamos.
Sempre que tomamos conta de outra pessoa estamos salvando.
Quando estamos salvando ou tomando conta, experimentamos uma ou mais dessas sensações: desconforto e nervosismo pelo dilema de outra pessoa; necessidade de fazer algo; pena; culpa; santidade; ansiedade; extrema responsabilidade por aquela pessoa ou problema; medo; sensação de estar sendo forçado ou compelido a fazer algo; leve ou acentuada relutância em fazer qualquer coisa; crença de sermos mais competentes do que a pessoa a
quem estamos “ajudando”; ou ressentimento ocasional por termos sido colocados nessa posição. Também achamos que a pessoa de quem estamos tomando conta está desamparada e incapaz de fazer o que estamos fazendo por ela. Sentimos que temporariamente necessitam de nós.
Não estou me referindo a atos de amor, bondade, compaixão e verdadeira ajuda – situações onde nossa assistência é legitimamente desejada e necessitada, e quando queremos dá-la. Esses atos são as coisas boas da vida. Salvar ou tomar conta, não.
Tomar conta assemelha-se a um ato mais amistoso do que é na realidade.
Requer incompetência por parte da pessoa da qual estamos cuidando.
Salvamos “vítimas” – pessoas que não são capazes de ser responsáveis por si mesmas. As vítimas na verdade são capazes de tomar conta de si mesmas, embora nós e elas não admitamos isso. Nossas vítimas em geral estão apenas penduradas naquela ponta do triângulo, esperando que pulemos para o triângulo com elas.
Depois que salvamos, inevitavelmente passaremos para a ponta seguinte do triângulo: a perseguição. Ficamos ressentidos e irados com a pessoa que tão generosamente “ajudamos”. Fizemos algo que não queríamos fazer, fizemos algo que não era nossa responsabilidade fazer, ignoramos nossas próprias necessidades e desejos e depois sentimos raiva. Para complicar as coisas, a vítima, essa pobre pessoa que salvamos, não é grata por nossa ajuda. Não reconhece suficientemente o sacrifício que fizemos. A vítima não está se comportando da maneira que deveria. Não está nem mesmo aceitando nossos conselhos, que oferecemos tão prestimosamente. Não está nos deixando fixar esse sentimento. Algo não está funcionando direito ou parece não estar certo, então jogamos fora nossa auréola de santos e empunhamos o forcado.
As pessoas, às vezes, não notam ou preferem não notar nosso mau humor. Às vezes, fazemos o possível para escondê-lo. Às vezes, o deixamos solto com a força total de nossa fúria; fazemos isso principalmente com nossos familiares. Há algo com a família que tende a expor nosso verdadeiro ego. Quer demonstremos, escondamos total ou parcialmente a irritação e o ressentimento, NÓS SABEMOS o que está acontecendo.
Na maioria das vezes, as pessoas que salvamos sentem de imediato nossa mudança de temperamento. Elas a veem chegar. É apenas a desculpa que precisavam para se voltar contra nós. É a vez de elas ocuparem a ponta da perseguição. Isso pode anteceder, acontecer ao mesmo tempo ou acompanhar nossa raiva. Às vezes, as vítimas reagem à nossa raiva.
Geralmente, é uma reação por assumirmos responsabilidade por aquela pessoa, o que direta ou indiretamente diz a ela o quanto a julgamos incompetente. E ela ressente-se conosco por adicionarmos insulto à injúria, quando ficamos com raiva dela depois de lhe revelar sua incompetência.
Então é chegada a hora de nosso movimento final. Vamos diretamente para nosso lugar favorito: a ponta da vítima, lá embaixo do triângulo. É o resultado previsível e inevitável do salvamento. Os sentimentos de desespero, mágoa, tristeza, vergonha e autocompaixão abundam. Fomos usados – de novo. Não fomos reconhecidos – de novo. Tentamos tanto
ajudar as pessoas, ser boas para elas. Gememos: “Por quê? Por que isso SEMPRE acontece comigo?” A outra pessoa nos esmagou, nos pisou.
Pensamos: seremos sempre vítimas? Provavelmente, se não pararmos de salvar ou de tomar conta.
Muitos codependentes, em alguma época de suas vidas, foram verdadeiras vítimas – de abuso, negligência, abandono, alcoolismo ou qualquer outra situação que possa prejudicar as pessoas. Fomos, em alguma época, realmente incapazes de assegurar nossa proteção ou de resolver nossos problemas. Algo surgiu em nosso caminho, algo que não pedimos e que nos magoou terrivelmente. Isso é triste, realmente triste. Mas o mais triste é o fato de que muitos começamos a nos ver como vítimas. Nossa dolorosa história se repete. Como tomadores de conta, permitimos que as pessoas nos transformem em vítimas, e participamos de nossa transformação em vítimas quando salvarmos as pessoas perpetuamente.
Salvar ou tomar conta não é um ato de amor. O Triângulo de Dramas é um triângulo de ódio. Ele encoraja e mantém o auto-ódio e prejudica nossos sentimentos por outras pessoas.
O triângulo e as mudanças de papéis do salvador, perseguidor e vítima são um processo visível que atravessamos. O papel muda e as mudanças emocionais ocorrem conosco tão intensa e seguramente como se estivéssemos lendo um roteiro. Podemos completar o processo em segundos, sentindo apenas leves emoções quando trocamos de papéis. Ou podemos levar anos para completar o triângulo e realmente chegar ao ponto de uma grande explosão. Podemos salvar umas vinte vezes por dia, e muitos fazem isso.
Deixe-me ilustrar um salvamento. Uma amiga era casada com um alcoólico. Quando ele bebia, ela dirigia pela cidade inteira, pedindo ajuda a amigos, e procurava o marido até encontrá-lo. Ela geralmente se sentia caridosa, preocupada e com pena dele – sinais de que um salvamento estava prestes a acontecer – até que o levava para casa e o punha na cama – ficando responsável por ele e por sua sobriedade. Quando a cabeça dele encostava no travesseiro, as coisas mudavam. Ela se colocava na posição de perseguidor. Não queria aquele homem em sua casa. Esperava que ele choramingasse durante dias sobre o quanto estava doente. Ele era incapaz de assumir suas responsabilidades perante a família e geralmente agia lamentavelmente. Tinha feito isso tantas vezes! Então ela voltaria a persegui-lo de novo, começando com pequenas farpas e terminando com uma explosão de raiva. Ele toleraria sua perseguição por algum tempo, antes de passar de vítima desamparada para perseguidor vingativo. Ela então entraria no papel de vítima. Autocompaixão, sensação de desamparo, vergonha e desespero estabeleciam-se. Essa era a história de sua vida, choramingava ela.
Depois de tudo que tinha feito por ele, como ele podia tratá-la dessa maneira? Por que isso sempre acontecia com ela? Ela se sentia vítima das circunstâncias, vítima do comportamento inominável do marido, vítima da vida. Nunca lhe ocorreu que era também vítima de si mesma e de seu próprio comportamento.
Aqui está outro exemplo de salvamento. Num verão, uma amiga quis que eu a levasse a uma fazenda de maçãs. A princípio eu queria ir, e marcamos uma data. Entretanto, quando o dia se aproximou, eu estava extremamente ocupada. Telefonei para ela e, em vez de dizer-lhe que não queria ir, pedi-lhe para adiar o passeio. Senti-me culpada e responsável por seus sentimentos – outro salvamento a caminho. Não podia desapontá-la porque achava que ela não conseguiria aceitar isso ou ser responsável por seus sentimentos. Não queria dizer a verdade porque achei que ela poderia ficar com raiva de mim – mais responsabilidade emocional –, como se a raiva de alguém fosse problema meu. O outro fim de semana chegou e encaixei a viagem no meio da minha agenda cada vez mais cheia. Mas não queria ir. Nem mesmo precisava de maçãs; tinha duas gavetas na geladeira cheias delas. Antes de parar o carro diante da casa dela eu já tinha assumido o papel de perseguidora. Enchi-me de pensamentos tensos e ressentidos enquanto nos dirigíamos para a fazenda de maçãs. Quando chegamos ao pomar e começamos a colher e a provar as maçãs, tornou-se evidente que nenhuma de nós estava se divertindo. Depois de alguns minutos, minha amiga virou-se para mim e disse:
– Eu realmente não quero nenhuma maçã. Comprei maçãs na semana passada. Só vim porque achei que você quisesse vir e não quis ferir seus sentimentos.
Esse exemplo é somente um dos milhares de salvamentos aos quais me dediquei na vida. Quando comecei a compreender esse processo, vi que passei a maior parte de meus momentos de vigília saltitando nas pontas desse triângulo, assumindo responsabilidade por tudo e por todos, além de mim. Às vezes, conseguia grandes salvamentos; às vezes, pequenos. Minhas amizades começavam, prosseguiam e finalmente interrompiam-se de acordo com a progressão do salvamento. Salvar imiscuía-se em minhas relações com parentes e clientes. Mantinha-me tonta a maior parte do tempo.
Dois codependentes num relacionamento podem realmente pregar peças um ao outro. Imagine duas pessoas que gostem de agradar tendo um relacionamento. Agora, imagine-as quando ambas querem terminar o relacionamento. Como diz Earnie Larsen, elas farão coisas horríveis. Quase destruirão uma à outra e a si mesmas antes de parar de salvar e dizer: “Quero terminar.”
Como codependentes, passamos muito de nosso tempo salvando. Tentamos provar que podemos dar mais do que Deus. Geralmente, posso identificar um codependente com apenas cinco minutos de conversa. Ele me oferecerá conselho não solicitado ou continuará conversando, embora obviamente esteja sem jeito e deseje interromper a conversa. A pessoa inicia o relacionamento assumindo responsabilidade pelo outro e não por si mesma.
Alguns de nós nos cansamos tanto dessa enorme carga – responsabilidade total por todos os seres humanos – que passamos por cima dos sentimentos de piedade e preocupação, que acompanham o ato de salvar, e assumimos logo a raiva. Ficamos com raiva o tempo todo; ficamos com raiva e ressentimento da vítima em potencial. Alguém com uma necessidade ou problema nos faz sentir que temos de fazer alguma coisa por ela ou nos sentir culpados. Depois de um salvamento, não fazemos mistério sobre nossa hostilidade quanto a essa situação desconfortável. Tenho visto frequentemente isso acontecer com pessoas em profissões de ajuda. Depois de muitos anos de salvamentos – dando muito e recebendo pouco em troca –, muitos especialistas em ajuda adotam uma atitude hostil em relação a seus clientes. Podem continuar a “ajudá-los”, mas segundo alguns psicólogos, geralmente abandonam a profissão sentindo-se terrivelmente vitimizados.
Tomar conta não ajuda; causa problemas. Quando tomamos conta de pessoas e fazemos coisas que não queremos fazer, ignoramos nossos próprios desejos, necessidades e sentimentos. Nos colocamos de lado. Às vezes, ficamos tão ocupados tomando conta das pessoas que colocamos toda nossa vida em suspenso. Muitos tomadores de conta são ocupados e
comprometidos demais e não gostam de nada do que fazem. Os tomadores de conta parecem muito responsáveis, mas não somos. Não assumimos responsabilidade por nossa maior responsabilidade: nós mesmos.
Sempre damos muito mais do que recebemos, e depois nos sentimos explorados e negligenciados. Não conseguimos imaginar por que – se sempre antecipamos as necessidades dos outros – ninguém repara nas nossas necessidades. Podemos ficar seriamente deprimidos por não conseguir satisfazer as nossas necessidades. Mas, mesmo assim, um bom tomador de conta se sente mais seguro quando dá; sentimo-nos culpados e desconfortáveis quando alguém nos dá algo ou quando fazemos algo para atender às nossas necessidades. Os codependentes podem às vezes tornar-se tão fechados no papel de tomadores de conta que ficamos inconsoláveis e nos sentimos rejeitados quando não podemos tomar conta ou salvar alguém – quando alguém se recusa a ser “ajudado”.
O pior aspecto de tomar conta é quando nos tornamos vítimas. Acredito que muitos comportamentos autodestrutivos sérios – dependência química, distúrbios alimentares, desvios sexuais – são desenvolvidos por causa desse papel de vítima. Como vítimas, atraímos pessoas perversas. Achamos que precisamos de alguém para tomar conta de nós porque nos sentimos desamparados. Alguns tomadores de conta finalmente procuram alguém ou alguma instituição para serem cuidados mental, física, financeira ou emocionalmente.
Por que – você pode perguntar – pessoas aparentemente racionais se dedicam a esse salvamento? Por muitas razões. A maioria não está consciente do que faz. A maioria de nós realmente acredita que está ajudando. Alguns acreditam que têm de salvar. Temos ideias confusas sobre o que constitui ajuda. Muitos de nós estamos convencidos de que salvar é
um ato caridoso. Podemos até achar cruel e impiedoso fazer algo tão insensível como permitir que uma pessoa tenha ou enfrente um sentimento legítimo, sofra uma consequência, fique desapontada por ouvir “não”, seja solicitada a atender aos nossos desejos e necessidades e seja totalmente responsável por si própria neste mundo. Não importa se certamente terão de pagar um preço por nossa “ajuda” – um preço tão ou mais cruel do que qualquer sentimento que possam estar enfrentando.
Muitos de nós não sabemos direito pelo que ou não somos responsáveis.
Podemos achar que temos de entrar em parafuso quando alguém tem um problema, porque isso é nossa responsabilidade. Às vezes ficamos tão doentes por nos sentir responsáveis por tantas coisas que rejeitamos toda responsabilidade e nos tornamos completamente irresponsáveis.
Contudo, lá no fundo da maioria dos salvadores há um demônio: a autoestima baixa. Salvamos porque não nos sentimos bem com nós mesmos.
Tomar conta nos proporciona uma sensação temporária de bem-estar, de valor próprio e de poder, embora seja um sentimento transitório e artificial.
Assim como um gole ajuda o alcoólico a sentir-se por um instante melhor, um salvamento nos distrai momentaneamente da dor de ser quem somos.
Não nos sentimos merecedores de amor, então nos conformamos em sermos necessitados pelos outros. Não nos sentimos bem sobre nós mesmos, então nos compelimos a fazer algo para provar que somos bons.
Salvamos porque também não nos sentimos bem quanto às outras pessoas. Às vezes, justificadamente ou não, decidimos que certas pessoas simplesmente não podem ser responsáveis por si mesmas. Embora isso possa parecer verdade, não corresponde ao fato. A menos que tenha um dano cerebral, um sério defeito físico ou seja uma criança, todos podem ser responsáveis por si mesmos.
Às vezes, salvamos porque é mais fácil do que lidar com o aborrecimento e a dificuldade de ver os problemas dos outros sem resolvê-los. Não aprendemos a dizer:
– Que pena que você esteja com um problema. Em que posso ajudar?
Aprendemos a dizer:
– Deixe-me resolver isso por você.
Alguns de nós aprendemos a ser tomadores de conta quando éramos crianças. Talvez tenhamos sido quase forçados a isso como resultado de viver com um pai ou uma mãe alcoólicos ou com outro problema de família.
Podemos ter começado a tomar conta mais tarde, como resultado de um relacionamento com um alcoólico ou outra pessoa que se recusava ou parecia incapaz de cuidar de si mesma. Decidimos viver – ou sobreviver – da melhor forma possível, “pagando o pato” e assumindo as responsabilidades de outras pessoas.
Muitos codependentes aprenderam outras formas de tomar conta. Talvez alguém nos tenha ensinado as seguintes mentiras, e acreditamos nelas: não seja egoísta, seja sempre bom e ajude as pessoas, nunca fira os sentimentos alheios, nunca diga não, não é educado mencionar seus desejos e suas necessidades pessoais.
Podemos ter sido ensinados a ser responsáveis por outras pessoas, mas não por nós mesmos. A algumas mulheres foi ensinado que esposas e mães ideais são as que tomam conta. Esperava-se e exigia-se delas que tomassem conta. Era seu dever. Alguns homens acreditam que bons maridos e pais tomam conta – super-heróis responsáveis por satisfazer cada necessidade de cada membro da família.
Às vezes, estabelece-se um estado que parece codependência quando tomamos conta de bebês ou de crianças. Tomar conta de bebês exige que a pessoa abra mão de suas necessidades, que faça coisas que não quer fazer, que esconda seus sentimentos e desejos (dar mamadeira às 4 horas da madrugada geralmente só satisfaz a necessidade da pessoa alimentada) e assuma total responsabilidade por outro ser humano. Tomar conta de criança não é salvar. É uma responsabilidade verdadeira, não é disso que estou falando. Mas se a pessoa não toma conta de si própria, pode começar a sentir a depressão da codependência.
Outros podem ter interpretado crenças religiosas como mandamentos para tomar conta. Sejam doadores alegres, disseram-nos. Façam mais do que é preciso. Ame o próximo. E nós tentamos. Tentamos muito. Tentamos demais. Depois, imaginamos o que está errado conosco porque nossas crenças cristãs não estão funcionando. Nossas vidas tampouco estão funcionando.
As crenças cristãs funcionam muito bem. Sua vida pode funcionar muito bem. É o salvamento que não funciona. “É como tentar pegar borboletas com uma vassoura”, observou um amigo. Salvar nos deixa sempre confusos e aturdidos. É uma reação autodestrutiva, outra maneira de os codependentes se ligarem às pessoas e se desligarem deles mesmos. É outra maneira de tentar controlar, mas em vez disso nos tornamos controlados pelas pessoas.
Tomar conta é um relacionamento não saudável de pai-filho – às vezes entre dois adultos, às vezes entre um adulto e uma criança.
Tomar conta gera raiva. Os tomadores de conta se tornam pais raivosos, amigos raivosos, amantes raivosos. Tornamo-nos cristãos insatisfeitos, frustrados e confusos. As pessoas a quem ajudamos são ou se tornam vítimas desamparadas e raivosas. Os tomadores de conta se tornam vítimas.
A maioria de nós conhece a parábola da Bíblia sobre Maria e Marta.
Enquanto Maria se sentava a conversar com Jesus e Seus amigos, Marta limpava e cozinhava. Logo, conta a história, Marta começou a bater as panelas, acusando Maria de ser preguiçosa. Marta reclamava que tinha de fazer tudo enquanto Maria relaxava e se distraía. Isso não parece familiar?
Jesus não deixou passar. Pediu a Marta para se calar. Maria sabe o que é importante, disse Ele. Maria tomou a decisão certa.
Sua mensagem pode ser a de que Maria fez a escolha certa porque é mais importante desfrutar das pessoas do que cozinhar e limpar. Mas também acredito que há aqui uma mensagem sobre sermos responsáveis por nossas escolhas, fazendo o que queremos fazer, e sobre nos conscientizarmos do quanto ficamos zangados quando não o fazemos. Talvez a escolha de Maria estivesse certa porque ela agiu como queria. Jesus ajudou a muitas pessoas, mas Ele era honesto e franco quanto a isso. Ele não perseguia as pessoas depois de ajudá-las. E perguntava o que elas queriam Dele. Às vezes, também perguntava por quê.
Ele fazia com que as pessoas fossem responsáveis por seus comportamentos.
Acho que os tomadores de conta distorcem as mensagens bíblicas sobre dar, amar e ajudar. Em nenhum lugar da Bíblia somos instruídos a fazer algo por alguém e depois furar seus olhos. Em nenhum lugar nos disseram para acompanhar alguém numa caminhada e depois pegar a bengala dessa pessoa e bater na cabeça dela. Importar-se e dar são qualidades desejáveis – algo que precisamos fazer –, mas muitos codependentes interpretaram mal as sugestões de “dar até doer”.
Continuamos dando muito depois que dói, geralmente até nos dobrarmos de dor. É bom dar alguma coisa, mas não
temos de dar tudo. Podemos deixar algo para nós mesmos.
Acredito que Deus queira que ajudemos as pessoas e compartilhemos nosso tempo, talento e dinheiro. Mas também acredito que Ele deseje que façamos isso com autoestima. Acredito que atos de bondade só sejam bons quando nos sentimos bem com nós mesmos, com o que estamos fazendo e com a pessoa para quem fazemos. Acho que Deus está em cada um de nós e conversa com cada um de nós. Se não nos sentimos muito bem sobre algo que estejamos fazendo, então não devemos fazê-lo – não importa o quão caridoso isso pareça. Também não podemos fazer pelos outros o que eles devem e são capazes de fazer por si mesmos. Eles não são incapazes. Nem nós.
– Deus nos disse para perdemos nossas vidas. Disse para darmos às pessoas – comentou o reverendo Daniel Johns, pastor da Igreja Luterana da Trindade em Stillwater, Minnesota. – Mas creio que Ele jamais pretendeu que as pessoas usassem as escrituras para se comportar de maneiras não saudáveis.
Dar e fazer coisas para e com as pessoas são partes essenciais de uma vida e de relacionamentos saudáveis. Mas aprender quando não dar, quando não se entregar e quando não fazer coisas para e com pessoas é também parte essencial de viver uma vida e de relacionamentos saudáveis. Não é bom cuidar de pessoas que tiram proveito de nós para fugir às suas responsabilidades. Magoa a elas e a nós. Há um tênue limite entre ajudar e ferir, entre o dar benéfico e o dar destrutivo. Podemos aprender a fazer essa distinção.
Tomar conta é uma ação e uma atitude. Para alguns de nós torna-se um papel, uma forma de apresentação para a vida inteira e para todas as pessoas à nossa volta. Acredito que tomar conta esteja muito associado ao martírio (um estado em que os codependentes frequentemente são acusados de estar), e à necessidade de agradar (outra acusação a nós). Segundo Earnie Larsen, os mártires “estragam as coisas”. Temos necessidade de continuar a sacrificar nossa felicidade e a de outras pessoas para o bem de alguma causa desconhecida que não exige sacrifícios. As pessoas que gostam de agradar, segundo Earnie Larsen, não são confiáveis. Nós mentimos. E, como tomadores de conta, não tomamos conta de nós mesmos.
O mais excitante sobre tomar conta é aprender a compreender o que isso é e quando fazemos isso, para que possamos parar de fazê-lo.
Podemos aprender a reconhecer um salvamento. Recuse-se a salvar.
Recuse-se a deixar que as pessoas nos salvem. Vamos assumir nossas responsabilidades e deixar que os outros façam o mesmo. Quando mudamos nossa atitude, nossas situações, nosso comportamento ou nossa mente, a coisa mais bondosa que podemos fazer é acabar com as vítimas – nós mesmos.
ATIVIDADE
- Isso pode levar algum tempo, mas pode ser uma experiência importante para você, se o “tomar conta” estiver lhe causando problemas. Num pedaço de papel, faça uma lista de todas as coisas que considera suas responsabilidades. Inclua as atividades do trabalho, com os filhos, amigos, cônjuge ou amante. Agora faça outra lista detalhada das
responsabilidades da outra pessoa em sua vida. Se qualquer responsabilidade for compartilhada, estipule a percentagem que considera apropriada para cada um. Por exemplo, se seu cônjuge trabalha e você prefere ser dona de casa e trabalhar em meio expediente, indique a percentagem de responsabilidade financeira que você assume, e a
percentagem de tarefa doméstica que ele ou ela assume. Você pode se surpreender pela grande quantidade de responsabilidade que você assumiu indevidamente, e como permitiu que ele ou ela assumisse tão poucas. Pode também descobrir que tem estado tão ocupado com os problemas de outras pessoas que vem negligenciando algumas de suas verdadeiras responsabilidades. - Conheça o Triângulo de Dramas de Karpman e como você atravessa esse processo em sua vida. Quando se vir salvando, preste atenção no papel e nas mudanças de humor. Quando observar que está se ressentindo ou que está sendo usado, procure lembrar-se de como você salvou. Pratique comportamentos não salvadores. Diga não quando quiser dizer não. Faça as coisas que quer fazer. Recuse-se a adivinhar o que as pessoas querem ou desejam; em vez disso, insista para que lhe peçam diretamente o que desejam ou querem de você. Comece pedindo diretamente o que você quer e precisa. Recuse-se a assumir responsabilidades alheias. Quando começar a parar de tomar conta das pessoas que estão acostumadas a que você tome conta delas, elas poderão ficar frustradas ou com raiva. Você mudou o sistema, afundou o barco. Significa mais trabalho para elas, e elas não poderão mais usar você. Explique o que está fazendo e permita que sejam responsáveis por seus próprios sentimentos. Elas poderão um dia lhe agradecer. Poderão até surpreendê-lo – às vezes as pessoas que julgamos menos capazes de tomarem conta de si mesmas são capazes de
fazê-lo – quando deixamos de tomar conta delas.
Do livro: Codependência Nunca Mais, Pare de Controlar os Outros e Cuide de Você Mesmo, [recurso eletrônico] Melody Beattie, 5ª Edição, Viva Livros, 2017