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Codependência - o que é?

Codependência


Os relacionamentos são como uma dança, com uma energia visível indo e voltando de um
parceiro para o outro. Alguns relacionamentos são a dança lenta e sombria da morte.1

– Colette Dowling


Até aqui, tenho usado as palavras codependente e codependência como termos lúcidos. Entretanto, as definições dessas palavras continuam vagas. A definição de dependência química significa ser dependente (psicológica e/ou fisicamente) do álcool ou de outras drogas. Comer e jogar demais também podem constituir dependência. Mas o que é codependência?
A definição óbvia seria: ser um parceiro na dependência. Essa definição está próxima à verdade, mas ainda não é clara.

Codependência é parte de um jargão de centro de tratamentos, uma gíria profissional que provavelmente é ininteligível para as pessoas fora daquela profissão e mesmo para algumas dentro dela.
Jargões podem significar coisas diferentes para pessoas diferentes. Pode-se saber o que um termo significa, mas não se ser capaz de defini-lo claramente por ele nunca ter sido claramente definido. Esses são alguns dos problemas que encontrei ao pesquisar e tentar definir codependência e codependente. Muitas pessoas nunca ouviram essas palavras. Outras, embora as conheçam, não conseguem defini-las. Se conseguem, cada definição é diferente. Ou as definem usando mais jargões.

Para complicar as coisas, não consigo encontrar essas palavras em nenhum dicionário. Meu computador continua indicando as palavras como erradas, tentando convencer-me de que não são palavras. Mesmo assim a codependência significa algo em particular, algo definitivamente importante para mim e para milhões de pessoas. Vamos livrar-nos do jargão e nos concentrar no significado.


O QUE É CODEPENDÊNCIA?


Ouvi e li muitas definições de codependência.

Num artigo do livro Co-Dependency, An Emerging Issue [Codependência: uma questão relevante], Robert Subby escreveu que codependência é: “Uma condição emocional, psicológica e comportamental que se desenvolve como resultado da exposição prolongada de um indivíduo a – e à prática de – um conjunto de regras opressivas que evitam a manifestação aberta de sentimentos e a discussão direta de problemas pessoais e interpessoais.”2

Earnie Larsen, outro especialista em codependência e pioneiro nesse campo, define-a como: “Aqueles comportamentos aprendidos e derrotistas ou defeitos de caráter que resultam numa capacidade reduzida de iniciar ou participar de relacionamentos de afeto.”

A seguir vão algumas definições menos profissionais:
“Codependência significa”, disse uma mulher, “que sou tomadora de conta.”

“Ser codependente significa que sou casada com um alcoólico”, disse outra. “Significa também que preciso ir ao Al-Anon.”

“Codependência”, respondeu outra mulher, “significa que estou até aqui de alcoólicos.” “Significa que estou sempre procurando alguém para pular em cima.”

“Codependência? Significa que qualquer homem por quem eu esteja atraída, me apaixone ou me case, é quimicamente dependente ou tem algum outro problema igualmente sério.”

“Codependência”, explicou alguém, “é saber que todos os seus relacionamentos continuarão da mesma maneira (dolorosamente) ou terminarão da mesma maneira (desastrosamente). Ou as duas coisas.”

Há tantas definições de codependência quanto experiências que a representam. Em desespero (ou talvez iluminados), alguns terapeutas proclamaram: “Codependência é qualquer coisa e todo mundo é codependente.” Então, quem está certo? Que definição é exata? Uma história rápida da codependência ajudará a responder a essa pergunta.


UMA HISTÓRIA RÁPIDA


A palavra codependência apareceu na área da terapia no fim da década de 1970. Não sei quem a descobriu. Embora várias pessoas possam reivindicar isso, a palavra despontou simultaneamente em vários centros de tratamento de Minnesota, de acordo com informação da clínica da psicóloga Sondra Smalley, uma expoente no campo da codependência. Talvez o estado de Minnesota, o coração de programas de tratamento de dependência química e dos Doze Passos para distúrbios compulsivos, tenha descoberto a palavra.

Robert Subby e John Friel escreveram um artigo no livro Co-Dependency, An Emerging Issue [Codependência: uma questão relevante.]: “Originalmente, a palavra foi usada para descrever a pessoa ou pessoas cujas vidas foram afetadas como resultado de estarem envolvidas com alguém quimicamente dependente. O cônjuge, filho ou amante de alguém quimicamente dependente teria desenvolvido um padrão de lidar com a vida que não era saudável, como reação ao abuso de droga ou de álcool por parte do outro.”3


Era um novo nome para um jogo antigo. Os especialistas havia muito suspeitavam de que algo peculiar acontecia com as pessoas intimamente envolvidas com dependentes químicos. Algumas pesquisas foram feitas sobre o assunto, indicando que uma condição física, mental, emocional e espiritual similar ao alcoolismo demonstrava-se em muitas pessoas não alcoólicas ou dependentes químicas que conviviam com alcoólicos. Outras palavras (jargões que depois se tornariam sinônimos de codependente) apareceram para descrever esse fenômeno: coalcoólico, não alcoólico, paraalcoólico.

Os codependentes certamente sentiram os efeitos da codependência muito antes que a palavra fosse inventada. Nos anos 1940, depois da criação dos Alcoólicos Anônimos, um grupo de pessoas – na maioria esposas de alcoólicos – formou grupos de ajuda mútua e apoio para lidar com as formas com que eram afetadas pelo alcoolismo dos maridos.4

Elas não sabiam que mais tarde seriam chamadas de codependentes. Não sabiam que haviam sido diretamente afetadas pelo alcoolismo dos maridos. E tinham inveja porque os alcoólicos tinham um programa de Doze Passos para se recuperar. As esposas também queriam um programa. Então utilizaram os Doze Passos do A.A., revisaram as Doze Tradições, mudaram o nome para Al-Anon, e funcionou! Desde então, milhões de pessoas têm sido beneficiadas pelo Al-Anon.5

O pensamento básico nessa época – e em 1979, quando surgiu a palavra codependência – era que codependentes (coalcoólicos ou para-alcoólicos) eram pessoas cuja vida se tornara incontrolável como resultado de viverem num relacionamento comprometido com um alcoólico.6


Entretanto, a definição de codependência foi expandida desde então. Os especialistas começaram a entender melhor os efeitos das pessoas quimicamente dependentes sobre a família, e os efeitos da família sobre as pessoas quimicamente dependentes. Começaram a identificar outros problemas, como comer demais ou de menos, jogar demais e certos comportamentos sexuais. Essas desordens compulsivas eram paralelas à desordem compulsiva, ou doença, do alcoolismo.

Os especialistas começaram também a notar que muitos dos que tinham relacionamentos íntimos com essas pessoas compulsivas desenvolviam padrões de reagir e conviver similares aos desenvolvidos por quem se relacionava com
alcoólicos. Algo peculiar acontecia com aquelas famílias, também. À medida que os especialistas começaram a compreender melhor a codependência, mais grupos de pessoas pareciam possuí-la: filhos adultos de alcoólicos; pessoas que se relacionavam com outras emocional ou mentalmente perturbadas; pessoas em relacionamento com doentes crônicos; pais de crianças com problemas de comportamento; pessoas em relacionamento com pessoas irresponsáveis; enfermeiros, assistentes sociais e outros profissionais que ajudam a outras pessoas. Até mesmo alcoólicos e viciados em recuperação notaram que eles mesmos eram codependentes e talvez o fossem muito antes de se tornarem dependentes químicos.7


Codependentes começaram a aparecer em toda parte. Quando terminava o relacionamento com a pessoa perturbada, o
codependente frequentemente procurava outra pessoa também perturbada e repetia os comportamentos de codependência com ela. Esses comportamentos, ou mecanismos de repetição, pareciam prevalecer por toda a vida do codependente – se ele não os modificasse.

Será que se pode concluir que a codependência é deflagrada por relacionamentos com pessoas com doenças sérias, problemas de comportamento ou distúrbios compulsivos destrutivos? O alcoolismo na família ajudava a criar a codependência, mas muitas outras circunstâncias também pareciam levar a isso. Um denominador razoavelmente comum era ter-se um relacionamento – pessoal ou profissional – com pessoas perturbadas, carentes ou dependentes. Mas parecia que um segundo e mais frequente denominador comum eram as regras silenciosas e não escritas que geralmente se desenvolvem na família próxima e estabelecem o ritmo dos relacionamentos.8

Essas regras proíbem: a discussão de problemas; expressão aberta de sentimentos; comunicação honesta e direta; expectativas realistas, como os de se ser humano, vulnerável ou imperfeito; egoísmo, confiar em outras pessoas e em si mesmo; brincar e divertir-se; balançar o barco familiar, tão fragilmente equilibrado, através de crescimento ou mudança – por mais saudável e benéfico que esse movimento possa ser. Essas regras são comuns aos sistemas de famílias alcoólicas, mas podem emergir também em outras famílias.

Agora, volto à pergunta anterior: Que definição de codependência é a mais exata? Todas são. Umas descrevem a causa, outras os efeitos, ou a condição geral, ou os sintomas, ou os padrões, ou a dor. Codependência significava, ou passou a significar, todas as definições que mencionei. Não estou tentando confundi-lo. A codependência tem uma definição
embaçada porque é uma condição cinzenta e confusa. É complexa, teórica e difícil de se definir completamente em uma ou duas frases.

Por que todo esse espalhafato sobre uma definição? Porque vou tentar o mais difícil – definir o codependente em uma frase. E quero que você possa ver a figura mais ampla antes que lhe mostre a mais detalhada. Espero que essa abordagem possa ajudá-lo a identificar a codependência em si próprio, se essa identificação for apropriada. Definir o problema é importante, porque ajuda a determinar a solução. A solução aqui é vital. Significa sentir-se melhor. Significa recuperação.

Então, aqui está minha definição de codependente:

Codependente é uma pessoa que tem deixado o comportamento de outra afetá-la, e é obcecada em controlar o comportamento dessa outra pessoa.


A outra pessoa pode ser uma criança ou um adulto, amante, cônjuge, irmão, irmã, avô ou avó, pai ou mãe, um cliente ou melhor amigo ou amiga. Essa pessoa pode ser alcoólica, viciada em drogas, física ou mentalmente doente, uma pessoa normal que ocasionalmente se sinta deprimida, ou qualquer das pessoas que mencionei antes.

Contudo, o centro da definição e da recuperação não está na outra pessoa – por mais que acreditemos que esteja. Está em nós mesmos, nas formas com que deixamos que comportamentos alheios nos afetem e nas formas com que tentamos afetá-los: a obsessão, o controle, o “ajudar” obsessivo, tomar conta, a baixa autoestima beirando o ódio a si próprio, a autorrepressão, a abundância de raiva e culpa, a dependência peculiar em pessoas peculiares, a atração e tolerância pelo bizarro, outros desvios que resultam no abandono de si mesmo, problemas de comunicação, problemas de intimidade e uma viagem cíclica através dos cinco estágios do luto.

A codependência é uma doença? Alguns especialistas dizem que não; dizem que é uma reação normal em pessoas anormais.9 Outros especialistas dizem que a codependência é uma doença; uma doença crônica e progressiva. Sugerem que os codependentes querem e precisam de pessoas doentes à sua volta para serem felizes de uma maneira não saudável. Dizem, por exemplo, que a mulher de um alcoólico precisava casar-se com um alcoólico e o escolheu porque percebeu inconscientemente que ele era alcoólico. Além disso, ela precisava de que ele bebesse e a maltratasse para se sentir satisfeita.

Esse último julgamento pode ser demasiadamente severo. Estou convencida de que os codependentes precisam de menos crueldade em suas vidas. Outras pessoas já foram cruéis o bastante connosco. Já fomos cruéis o bastante com nós mesmos. Amigos, já sofremos o bastante. Temos sido vítimas de doenças e de pessoas. Cada um de nós deve decidir que papel tivemos nisso.

Eu não sei se a codependência é ou não uma doença. Não sou especialista. Mas, para dizer o que acredito, deixe-me completar a breve história da codependência que iniciei neste capítulo.

Embora os primeiros grupos do Al-Anon tenham sido formados nos anos 1940, estou segura de que poderíamos voltar ao começo dos tempos e dos relacionamentos humanos e encontrar vislumbres de comportamento codependente. As pessoas sempre tiveram problemas e sempre cuidaram de amigos e parentes perturbados. Certamente, pessoas estiveram presas aos problemas dos outros desde que os relacionamentos começaram.

É provável que a codependência tenha acompanhado o homem desde muito antes de Cristo até “estes tempos geralmente desgraçados do nosso século”, como disse Morley Safer no programa de TV Sixty Minutes. Desde que as pessoas existem, elas têm feito todas as coisas peculiares de um “codependente”. Têm-se preocupado à exaustão com outras pessoas. Têm tentado ajudar de formas que não ajudam. Têm dito sim quando querem dizer não. Têm tentado que outras pessoas façam as coisas à sua maneira. Têm feito de tudo para evitar ferir os sentimentos das pessoas e, fazendo isso, têm ferido a si mesmas. Têm tido medo de confiar em seus sentimentos. Têm acreditado em mentiras e depois se sentido traídas. Têm desejado vingar-se e punir. Têm sentido tanta raiva que desejaram matar. Têm lutado por seus direitos enquanto outros diziam que não tinham nenhum. Têm usado sacos de estopa, porque não acreditavam que mereciam seda.

Os codependentes sem dúvida também têm feito coisas boas. Por natureza, são benevolentes – preocupados e dedicados com as necessidades do mundo. Thomas Wright escreveu no livro Co-Dependency, An Emerging Issue: “Suspeito que historicamente os codependentes têm atacado a injustiça social e lutado pelos direitos dos mais fracos. Eles querem ajudar. E creio que ajudaram. Mas, provavelmente, morreram achando que não fizeram o bastante e sentindo-se culpados.
“É natural desejar proteger e ajudar as pessoas que nos são caras. É também natural sermos afetados e reagirmos aos problemas das pessoas à nossa volta. Quando um problema se torna mais sério e continua insolúvel, ficamos ainda mais afetados e reagimos mais intensamente a ele.

A palavra reagir é importante aqui. Seja de que maneira se aborde a codependência, como se defina isso, e de qualquer enquadramento ou referência que se escolha para diagnosticá-la e tratá-la, a codependência é principalmente um processo reacionário. Codependentes são reacionários. Eles reagem demais. Reagem de menos. Mas raramente agem. Eles reagem aos problemas, às dores, à vida e aos comportamentos dos outros. Reagem a seus próprios problemas, às suas dores e ao seu comportamento. Muitas reações de codependentes são reações à tensão e à incerteza de viver ou crescer com o alcoolismo ou outros problemas. É normal reagir à tensão. Não é necessariamente anormal, mas é heroico e pode salvar vidas aprender a não reagir, e a agir de formas mais saudáveis. A maioria de nós, entretanto, precisa de ajuda para aprender a fazer isso.
Talvez uma das razões porque alguns especialistas chamam a codependência de doença seja que muitos codependentes estão reagindo a doenças como o alcoolismo.

Outra razão é porque é progressiva. À medida que as pessoas à nossa volta se tornam mais doentes, nós começamos a reagir com mais intensidade. O que começou como um pouco de preocupação pode causar isolamento, depressão, doenças físicas ou emocionais ou fantasias suicidas. Uma coisa leva à outra, e as coisas ficam piores. A codependência talvez não seja uma doença, mas pode fazer de você um doente. E pode contribuir para que as pessoas à sua volta continuem a ficar doentes.
Outra razão pela qual a codependência é chamada de doença é porque os comportamentos de quem sofre disso – como muitos comportamentos autodestrutivos – se tornam viciosos. Repetimos os vícios sem pensar. Os vícios têm vida própria.10


Seja qual for o problema que a outra pessoa tenha, a codependência envolve um sistema vicioso de pensar, sentir e se comportar em relação a nós mesmos e aos outros que pode causar dor. Comportamentos codependentes ou viciosos são autodestrutivos. Frequentemente, reagimos a pessoas que estão se destruindo; reagimos aprendendo a destruir a nós mesmos. Esses vícios podem levar-nos, ou manter-nos, em relacionamentos destrutivos, em relacionamentos que não funcionam. Podem sabotar relacionamentos que poderiam, de outra forma, ter dado certo. Esses comportamentos podem impedir que encontremos paz e felicidade com a pessoa mais importante de nossa vida – nós mesmos. Esses comportamentos pertencem à única pessoa que cada um de nós pode controlar, à única pessoa que podemos modificar: nós mesmos. São nossos problemas. No próximo capítulo examinaremos esses comportamentos.


ATIVIDADE

  1. Como você definiria a codependência?
  2. Você conhece alguém que tenha afetado sua vida significativamente, alguém com quem você se preocupa e que desejaria poder mudar? Quem? Escreva vários parágrafos sobre essa pessoa e seu relacionamento. Depois, leia o que escreveu. Quais são seus sentimentos?

Do livro: Codependência Nunca Mais, Pare de Controlar os Outros e Cuide de Você Mesmo, [recurso eletrônico] Melody Beattie, 5ª Edição, Viva Livros, 2017

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