Princípios básicos para cuidar de si mesmo
Comunicação
Agora que “ouvimos” alguns codependentes conversando, vamos analisar como nós dialogamos. Muitos codependentes têm reduzida capacidade de comunicação. Escolhemos cuidadosamente nossas palavras para manipular, agradar as pessoas, controlar, encobrir e aliviar culpas. Nossa comunicação cheira a emoções reprimidas, pensamentos reprimidos, motivos escondidos, baixa autoestima e vergonha. Rimos quando queremos chorar, dizemos que estamos bem quando não estamos.
Permitimo-nos ser “mortos e enterrados”. Às vezes, reagimos inapropriadamente. Justificamos, racionalizamos, compensamos e passeamos com os outros em volta do quarteirão. Somos inseguros. Atormentamos e ameaçamos, depois voltamos atrás.
Às vezes mentimos. Somos frequentemente hostis. Nos desculpamos muito, e só fazemos alusão ao que queremos e precisamos. Os codependente são indiretos. Não dizemos o que queremos dizer, e o que dizemos não é o que queremos dizer.2
Não fazemos isso de propósito. Fazemos isso porque aprendemos a nos comunicar dessa forma. Em alguma época, talvez em nossa infância ou na família adulta, aprendemos que não devemos conversar sobre problemas, expressar emoções e opiniões. Aprendemos que não se deve dizer exatamente o que se quer e deseja. Era definitivamente errado dizer não, e defendermos algo por nós mesmos. Um pai ou cônjuge alcoólico ficará feliz em ensinar essas regras; nós estávamos prontos a aprendê-las e aceitá-las.
Como pergunta John Powell no título de seu excelente livro sobre comunicação, Why Am I Afraid to Tell You Who I Am? [Por que tenho medo de lhe dizer quem sou?]. Por que temos medo de dizer às pessoas quem somos? Cada um de nós deve responder a essa pergunta. Powell diz que é porque quem somos é tudo que temos, e temos receio de ser rejeitados.3
Alguns de nós podemos ter medo porque não temos certeza de quem somos e do que desejamos dizer. Muitos de nós fomos inibidos e controlados por uma ou mais regras familiares que discuti anteriormente neste capítulo.
Alguns de nós tivemos de seguir essas regras para nos proteger, para sobreviver. Entretanto, acredito que a maioria tem medo de dizer quem é porque não acha bom ser quem é. Na maioria das vezes, não gostamos de nós mesmos e não confiamos em nós mesmos. Não confiamos em nossos pensamentos. Não confiamos em nossos sentimentos. Achamos que nossas opiniões não valem nada.
Achamos que não temos o direito de dizer não. Não temos certeza do que desejamos e necessitamos; quando temos, sentimo-nos culpados por ter desejos e necessidades e certamente não vamos ser honestos sobre eles. Podemos ter vergonha de ter problemas, ou nem mesmo confiar em nossa capacidade de identificá-los exatamente, e às vezes nos sentimos até desejosos de voltar atrás se alguém insistir que o problema não existe.
A comunicação não é simbólica. As palavras que dizemos refletem quem somos, o que pensamos, julgamos, sentimos, valorizamos, honramos,amamos, odiamos, tememos, desejamos, esperamos, em que acreditamos e a que nos comprometemos.4 Se achamos que não somos apropriados para a vida, nossa comunicação refletirá isso. Julgaremos que os outros têm todas as respostas; nos sentiremos com raiva, feridos, temerosos, culpados, carentes e controlados por outras pessoas. Desejaremos controlar os outros, agradar a outros a qualquer custo e temeremos sua desaprovação e seu abandono.
Esperaremos tudo, mas não acreditamos que merecemos e conseguiremos algo a menos que forcemos as coisas a acontecerem, e continuaremos a ser responsáveis pelos sentimentos e comportamentos de outros. Estamos congestionados por sentimentos e pensamentos negativos. Não é à toa que temos problemas de comunicação. Falar clara e abertamente não é difícil. Na verdade, é fácil. E divertido.
Comece sabendo que você é quem deve ser. Nossos sentimentos e pensamentos são certos. Nossas opiniões contam. Podemos falar sobre os problemas. E podemos dizer não. Somos capazes de dizer não – quando quisermos. É fácil. Diga não agora. Dez vezes. Está vendo como é fácil? Aliás, outras pessoas também conseguem dizer não. Fica mais fácil se tivermos direitos iguais. Quando sua resposta for não, comece a responder com a palavra não, em vez de dizer “não sei”, “talvez” ou qualquer outra frase hesitante.5
Diga o que quer, e queira dizer o que diz. Se não sabe o que quer dizer, fique quieto e pense sobre isso. Se sua resposta for “não sei”, diga “não sei”. Aprenda a ser conciso. Deixe de falar com as pessoas dando a volta no quarteirão. Vá direto ao ponto e, quando chegar lá, pare. Vamos conversar sobre nossos problemas. Não estaremos sendo desleais a ninguém se revelarmos quem somos e que tipos de problemas estamos tendo. Tudo que estamos fazendo é fingir não ser quem somos.
Partilhemos nossos segredos com amigos confiáveis que não usem isso contra nós ou nos façam sentir envergonhados. Podemos tomar decisões apropriadas sobre com quem conversar, quanto vamos dizer a essa pessoa, e quando é a melhor hora para dizer.
Expressemos nossos sentimentos; aberta, honesta, apropriada e responsavelmente. Deixemos que outros façam o mesmo. Aprendamos as palavras: eu sinto. Deixemos que os outros digam essas palavras e aprendamos a escutar – não a consertar – quando eles as dizem.
Podemos dizer o que pensamos. Aprendamos a dizer: “Eu penso assim.” Nossas opiniões podem ser diferentes das de outras pessoas. Não significa que estamos errados. Não temos de mudar nossas opiniões, nem as de outra pessoa, a menos que algum de nós assim o deseje.
Podemos até estar errados. Podemos dizer o que desejamos, sem exigir que outras pessoas mudem para satisfazer nossas necessidades. Outras pessoas podem dizer o que quiserem, mas nós não temos de mudar para agradar a elas – se não quisermos.
Podemos expressar nossos desejos e necessidades. Aprenda as palavras: “É isso que preciso de você. É isso que quero de você.” Podemos dizer a verdade. Mentir sobre o que pensamos, como nos sentimos e o que desejamos não é ser educado – é mentir.
Não temos de ser controlados pelo que outras pessoas dizem; não temos de tentar controlá-las com nossas palavras e efeitos especiais. Não temos de ser manipulados, culpados, coagidos ou forçados a nada. Podemos abrir nossas bocas e tomar conta de nós mesmos! Aprenda a dizer: “Eu amo você, mas amo a mim mesmo também. E isso é o que preciso fazer para tomar conta de mim.”
Como diz Earnie Larsen, podemos aprender a ignorar as coisas sem sentido. Podemos nos recusar a conversar sobre a doença de alguém, seja alcoolismo ou outro distúrbio compulsivo. Se não faz sentido, não faz sentido. Não temos de perder tempo tentando extrair sentido disso ou convencer outras pessoas de que não faz sentido. Aprenda a dizer: “Não
quero discutir isso.” Podemos ser firmes e defender a nós mesmos sem sermos cáusticos ou agressivos. Aprenda a dizer: “Só vou até aqui. Este é meu limite. Não tolerarei mais isso.” E mantenha a palavra.
Podemos mostrar compaixão e preocupação sem promover um salvamento. Aprenda a dizer: “Parece que você está tendo um problema. O que precisa de mim?” Aprenda a dizer: “Sinto muito que esteja com esse problema.” Depois, deixe para lá. Não temos de permanecer fixados nisso. Podemos discutir nossos sentimentos e problemas sem esperar que as pessoas nos salvem. Podemos apenas esperar ser ouvidos. Isso provavelmente é tudo que queremos.
Uma reclamação que ouço dos codependentes é: “Ninguém me leva a sério!” Leve-se a sério. Equilibre isso com um senso de humor apropriado e não precisaremos preocupar-nos com o que alguém mais esteja ou não fazendo.
Aprenda a ouvir o que as pessoas estão dizendo ou não. Aprenda a ouvir-se, o tom de voz que usa, as palavras que escolhe, a maneira como se expressa, e os pensamentos que lhe passam pela cabeça.
Conversar é um instrumento e um prazer. Conversamos para nos expressar. Conversamos para ser ouvidos. Conversar faz com que compreendamos a nós mesmos e ajuda a compreender outras pessoas. Conversar ajuda a transmitir mensagens às pessoas. Às vezes, conversamos para conseguir aproximação e intimidade. Nem sempre temos algo espetacular para dizer, mas queremos ter contato com as pessoas. Queremos eliminar as distâncias. Queremos compartilhar e estar próximos.
Outras conversamos para nos divertir – para brincar, distrair, gracejar e entreter. Há vezes em que conversamos para tomar conta de nós mesmos – para deixar claro que não seremos ameaçados ou abusados, que amamos a nós mesmos e que tomamos decisões em nosso melhor interesse. E, às vezes, apenas conversamos.
Precisamos ter a responsabilidade de nos comunicar. Deixe que nossos mundos reflitam a autoestima e a estima pelos outros. Seja honesto. Seja direto. Seja aberto. Seja gentil e amável quando for apropriado. Seja firme quando a situação pedir firmeza. E, sobretudo, seja quem é e diga o que precisa. Com amor e dignidade, fale a verdade – como a pensamos, sentimos e conhecemos – e isso nos libertará.
ATIVIDADE
- Leia o livro Por que tenho medo de lhe dizer quem sou?, de John Powell.
Do livro: Codependência Nunca Mais, Pare de Controlar os Outros e Cuide de Você Mesmo, [recurso eletrônico] Melody Beattie, 5ª Edição, Viva Livros, 2017