Dependência: onde tudo começa?
Uma passagem na minha adolescência que nunca esqueci:
Entrei no bloco do refeitório para me dirigir à cafetaria, onde por vezes nos reuníamos ao pé dos cacifos. Em frente à entrada havia um corredor de espelhos e lavatórios, destinados a quem saia do refeitório. Tinha tocado para sair, então éramos um grupo grande a passar ali naquele momento. Olhei no espelho e procurei os rostos das outras pessoas, analisando se era feia ou bonita, gorda ou magra, baixa ou alta. Fazia isso sempre, comparando-me, e assim a minha visão de mim mesma parecia um carrossel, quando me comparava com alguém… Mas naquele dia, quando procurava os outros, achei, no meio de todos aqueles corpos em movimento, uma cara que me parecia familiar… pensei: “Eu conheço aquela rapariga… Ela é tão bonita…” E de repente, o espanto: “Sou eu!”
Ninguém consegue imaginar a vergonha e raiva que senti de mim mesma por ter visto aquela figura em mim, como se fosse um pecado aquilo que tinha acontecido. Isto numa altura em que a frase que me dizia mais rotineiramente era “odeio-te!” Eu nem me olhava no espelho… detestava praticamente todas as fotos minhas que os meus pais distribuíam pela casa…
Eu não gostava de mim, e procurava alguém que gostasse. Detestava-me e fazia tudo para que os outros gostassem de mim. Anulava os meus sentimentos em detrimento dos sentimentos dos outros. Queixava-me de ser tratada como um tapete, quando era eu que me estendia no chão para passarem…
O que aconteceu a esta rapariga? Como chegou a este estado? Porquê todo este ódio contra si mesma?
Se calhar podíamos começar por perguntar: que crenças ela tomou como certas? O que ela decidiu acreditar sobre ela, o mundo e sobre os outros?
Sim, porque independentemente do trajeto de cada um, somos sempre nós que escolhemos em que acreditar.
Eu escolhi acreditar que aquilo que me diziam sobre os outros, o mundo e sobre mim mesma, era verdade.
Onde isso me levou? A um beco sem saída a nível emocional: A adição/ dependência.
O que é a Adição?
É uma doença de sentimentos e emoções. Progressiva e fatal. Caracterizada por um desajuste entre os conceitos da pessoa e a realidade.
Existe muita confusão relativa a este tema. Muitos confundem a dependência com vicio, outros dizem que foi por azar, outros ainda dizem que são as más companhias…
No fundo o que leva a pessoa a um estado de dependência é o facto de se sentir vazia e procurar fora dela se preencher, ou alterar o seu humor.
É um estado de não conhecimento e consciência sobre si mesma, ela não sabe na verdade quem é: o tesouro que é – a luz que contém, então ela procura isso no exterior. E porque não sabe lidar com o exterior, com as suas emoções, ela precisa de uma droga.
Não importa a “droga” que a pessoa possa escolher: drogas legais (calmantes, antidepressivos, psicóticos) ou ilegais (cocaína, heroína), relacionamentos, sexo, jogo, internet, poder, álcool, comida… O que importa é como a pessoa se sente em relação a ela mesma, ao mundo e aos outros.
O que importa é o desajuste. Que o digam os aditos/dependentes. Praticamente todos começam a sua história assim: quando eu era criança sentia-me diferentes das outras crianças/desajustado em relação a todos os outros…
E depois a história continua… cada um passando pelo seu trajecto, mas no fundo as características são as mesmas: desajuste. E esse desajuste é real – existe realmente um desajuste entre a realidade e o que a pessoa pensa que é a realidade.
A adição é o beco sem saída que nos mostra que o caminho não é por ali. E basta apenas mudar o rumo: mudar as crenças – o que pensamos especialmente sobre nós mesmos, depois sobre os outros e sobre o mundo.
Para isso um processo de recuperação não pode apenas se basear na desintoxicação física, mas abarcar especialmente a limpeza emocional. Por isso o insucesso de tantos programas de recuperação que viram como “culpado” a droga, em vez de verem como responsável o que a consome.
Do Workshop DEPENDÊNCIA: ONDE TUDO COMEÇA?