
Quando reprimo minhas emoções, meu estômago sente…1
– John Powell
Princípios básicos para cuidar de si mesmo
Sinta suas próprias emoções
“Eu costumava orientar grupos para ajudar pessoas a lidar com suas emoções”, diz a mulher de um alcoólico. “Costumava expressar abertamente minhas emoções. Agora, depois de oito anos nesse relacionamento, não seria capaz de dizer o que sinto, nem se minha vida dependesse disso.”
Como codependentes, frequentemente perdemos contato com a parte emocional de nós mesmos. Às vezes, recolhemo-nos emocionalmente para evitar sermos esmagados. Ser emocionalmente vulnerável é perigoso. Dor acumula-se sobre dor, e ninguém parece incomodar-se. É mais seguro afastar-se. Ficamos sobrecarregados de dor, então fechamos o circuito para nos proteger.
Podemos afastar-nos emocionalmente de certas pessoas – pessoas que achamos que podem nos machucar. Não confiamos nelas, então escondemos nossa parte emocional quando estamos perto delas. Às vezes, sentimo-nos forçados a retirar nossas emoções. As famílias que sofrem os efeitos do alcoolismo e de outros distúrbios rejeitam a honestidade emocional e às vezes parecem precisar de desonestidade.
Imagine a tentativa de dizer a um bêbado como nós nos sentimos por ele ter batido com o carro, estragado nossa festa de aniversário ou vomitado em nossa cama. Nossas emoções podem provocar em outros reações desagradáveis, como a raiva. Expressar nossas emoções pode ser até perigoso para nossa segurança pessoal, porque elas afundam o barco familiar.
Até as famílias sem história de alcoolismo rejeitam as emoções. “Não sinta isso. Essa emoção não é apropriada. Na verdade, nem sinta nada”, pode ser a mensagem que ouvimos. Rapidamente aprendemos a mentira de que nossas emoções não contam, de que nossas emoções, por alguma razão, são erradas. Nossas emoções não são levadas em conta, então nós também deixamos de lhes dar atenção.
Às vezes, pode parecer mais fácil não sentir. Temos tanta responsabilidade porque assumimos muita responsabilidade pelas pessoas à nossa volta. Devemos fazer o que for necessário de qualquer maneira. Para que gastar tempo para sentir? O que isso mudaria?
Às vezes, tentamos fazer nossas emoções desaparecerem porque temos receio delas. Reconhecer como realmente nos sentimos exigiria uma decisão – uma ação ou uma mudança – de nossa parte.2 Colocar-nos-ia frente a frente com a realidade. Tornar-nos-ia conscientes do que estamos pensando, do que queremos e do que precisamos fazer. E ainda não estamos prontos para isso.
Codependentes são oprimidos, deprimidos e reprimidos. Muitos de nós podemos rapidamente dizer o que alguém está sentindo, por que está sentindo, há quanto tempo se sente assim e o que aquela pessoa provavelmente está passando por causa daquela emoção. Muitos de nós passamos a vida preocupados com as emoções dos outros. Tentamos consertar as emoções das pessoas. Tentamos controlar as emoções delas. Não queremos feri-las, não queremos aborrecê-las, não queremos ofendê-las. Sentimo-nos tão responsáveis pelas emoções dos outros, mas não sabemos o que estamos sentindo. Se sabemos, não sabemos o que fazer para consertar o que sentimos. Muitos de nós ou abandonamos ou nunca assumimos a responsabilidade por nossos próprios eus emocionais.
O quanto são importantes as emoções, afinal de contas? Antes de responder a essa pergunta, deixe-me contar sobre quando estive em tratamento por dependência química no Hospital Estadual de Willmar, em Minnesota, em 1973. Eu enfrentava um vício de dez anos em álcool, heroína, morfina, metadona, cocaína, barbitúricos, anfetamina, maconha e outras substâncias que prometessem, mesmo remotamente, mudar a maneira como eu me sentia. Quando perguntei à minha terapeuta, Ruth Anderson, e a outros terapeutas como fazer isso, eles responderam: “Lide com suas emoções.” (Eles também sugeriram que eu frequentasse os Alcoólicos Anônimos; depois contarei sobre isso.)
Comecei a lidar com minhas emoções. No princípio senti-me horrível. Tinha explosões emocionais que pareciam que iam arrancar o topo de minha cabeça. Mas persisti. Experimentei meus primeiros dias e meses de sobriedade. Depois, chegou a hora de deixar o tratamento. Enfrentei a perspectiva improvável de tentar me entrosar na sociedade. Eu não tinha um curriculum; pode ser difícil para uma viciada em heroína conseguir e manter um emprego lucrativo. Tive de terminar meus relacionamentos com todas as pessoas que eu sabia que usavam drogas, e isso incluía todo mundo que eu conhecia. Minha família estava descrente da minha recuperação e ainda compreensivelmente magoada com algumas das coisas que eu tinha feito. Eu geralmente deixava uma trilha de destruição e caos atrás de mim. Minha vida se arrastava diante de mim e prometia muito pouco. Ao mesmo tempo, minha terapeuta me dizia para seguir adiante e começar a viver.
Mais uma vez, perguntei a ela como exatamente deveria fazer isso. Mais uma vez ela e outros responderam: “Continue lidando com suas emoções. Frequente o A.A. e tudo dará certo.”
Aquilo me parecia um pouco simplista, mas eu não tinha muita escolha. Por mais incrível que pareça, e graças à ajuda do Poder Superior, até agora está funcionando. E fui fundo em minha codependência quando me achei sofisticada demais para lidar com as emoções. A moral da história é que lidar com as emoções e ir ao A.A. podem ajudar-nos a nos recuperar da dependência química. Mas vai além disso, o que responde à pergunta anterior: “O quanto são importantes nossas emoções?”
Os sentimentos não devem ser o principal nem a finalidade de nossas vidas. Os sentimentos não devem ditar ou controlar nossos comportamentos, mas nós não podemos ignorá-los também. Eles não serão ignorados.
Nossas emoções são muito importantes. Elas contam. Elas importam. Nosso lado emocional é especial. Se fizermos as emoções irem embora, se as expulsarmos, perdemos uma parte importante de nós e de nossa vida. As emoções são nossa fonte de alegria, de tristeza, de medo e de raiva. Nossa parte emocional é a parte em nós que ri e que chora. Nosso lado emocional é o centro de dar e receber o calor ardente do amor. Essa parte de nós permite que nos aproximemos das pessoas. Esse nosso lado permite que desfrutemos de carinhos e outras emoções sensuais.
Nossas emoções também são indicadoras. Quando nos sentimos felizes, confortáveis, satisfeitos e contentes, geralmente sabemos que naquele momento tudo está bem em nosso mundo. Quando nos sentimos desconfortáveis, com raiva, com medo ou tristeza, nossas emoções estão nos dizendo que existe um problema. O problema pode estar dentro de nós –
algo que estamos fazendo ou pensando – ou pode ser externo. Mas há algo errado.
As emoções também podem ser motivações positivas. A raiva pode motivar-nos a resolver um problema irritante. O medo nos encoraja a fugir do perigo. Sentir dor física e emocional repetidamente nos diz para nos afastarmos.
Nossas emoções também podem fornecer pistas: de nossos desejos, de nossas necessidades e de nossas ambições. Elas nos ajudam a descobrir a nós mesmos, o que realmente estamos pensando. Nossas emoções também se alimentam dessa profunda parte de nós que procura e conhece a verdade e deseja a autopreservação, o automelhoramento, a segurança e a bondade.
Nossas emoções estão ligadas aos processos de pensamento cognitivo do nosso consciente, e aquele misterioso presente chamado instinto ou intuição. Existe, entretanto, o lado mais escuro delas. A dor emocional dói. Pode doer tanto que achamos que tudo que somos ou seremos é apenas nossa parte emocional. A dor e a tristeza podem perdurar. O medo pode ser um bloqueador; pode fazer com que deixemos de realizar coisas que desejamos e de que necessitamos para viver nossa vida.
Às vezes podemos ficar presos às emoções – presos num poço de sentimentos sombrios – e achamos que nunca mais sairemos dali. A raiva pode descambar em ressentimento e amargura e ameaçar ficar para sempre. A tristeza pode transformar-se em depressão, quase nos asfixiando. Alguns de nós vivem com medo por longos períodos de tempo.
Nossas emoções também podem nos enganar. Podem levar-nos a situações onde nossa cabeça nos diz para não ir. Às vezes, as emoções são como algodão-doce; parecem ser mais do que realmente são. Apesar do lado escuro das emoções – as dolorosas, as que perduram e as traiçoeiras –, há um panorama ainda mais sombrio se escolhermos não nos emocionar. Não sentir nossas emoções, nos recolhermos emocionalmente e rejeitarmos essa parte de nós pode ser algo desagradável, não saudável e autodestrutivo.
Continuação no próximo artigo.
Do livro: Codependência Nunca Mais, Pare de Controlar os Outros e Cuide de Você Mesmo, [recurso eletrônico] Melody Beattie, 5ª Edição, Viva Livros, 2017