
Princípios básicos para cuidar de si mesmo
Viva sua própria vida
Viva e deixe viver.
– Slogan do programa dos Doze Passos
Se eu conseguir demonstrar alguma coisa com este livro, espero que seja: a melhor maneira de enlouquecermos é envolver nos com os problemas dos outros, e a maneira mais rápida de nos tornarmos sãos e felizes é cuidar de nossos próprios problemas. Tenho discutido conceitos e ideias referentes a essa filosofia. Examinamos as reações típicas da codependência. Discutimos as maneiras de aprender a reagir de forma diferente pelo desligamento. Mas, depois de nos desligarmos e nos soltarmos das pessoas a nossa volta, o que restará?
Restaremos nós mesmos.
Lembro-me do dia em que enfrentei essa realidade. Por muito tempo, atribuí a culpa de meus infortúnios a outras pessoas. “A culpa é sua por eu estar do jeito que estou!”, gritava eu. “Olhe o que você me fez fazer – com meus minutos, minhas horas, minha vida.” Depois que me desliguei e assumi a responsabilidade por mim mesma, pensei: talvez a razão de eu não ter vivido minha vida não esteja em outras pessoas; talvez elas tenham sido apenas a desculpa de que eu precisava. Meu destino – meus hojes e amanhãs – parecia bastante sombrio.
Viver nossa vida pode não ser um projeto excitante para alguns de nós. Talvez tenhamos estado tão envolvidos com outras pessoas que esquecemos como viver e gozar nossa vida.
Podemos estar em tamanha angústia emocional que achamos que não temos vida; que tudo que temos é nossa dor. Isso não é verdade. Somos mais do que nossos problemas. Podemos ser mais do que nossos problemas. Seremos mais do que nossos problemas.1 Só porque a vida tem sido tão dolorosa até agora não significa que tenha de continuar assim. A vida não tem de magoar tanto, e não o fará – se começarmos a mudar. Talvez nem tudo venha a ser um mar de rosas daqui para a frente, mas tampouco terá de ser um mar de espinhos. Precisamos e podemos melhorar nossas vidas. Como me disse um amigo: “Cuide da sua vida.”
Alguns codependentes acham que uma vida sem futuro, sem propósito, sem grandes sacudidelas e sem grandes oportunidades não vale a pena ser vivida. Isso tampouco é verdade. Acredito que Deus tem coisas excitantes e interessantes preparadas para cada um de nós. Acredito que existe um objetivo alegre e compensador – que não inclui tomar conta e ser o apêndice de alguém – para cada um de nós. Acho que podemos assumir essa atitude tomando conta de nós mesmos. Comecemos a cooperar. Vamos nos abrir à bondade e à riqueza que há em nós e para nós.2
Ao longo de todo este livro usei a expressão cuidar de nós mesmos. Tenho visto o uso e abuso dessa expressão. Tenho visto pessoas usando-a para controlar, forçar ou impor suas vontades a outras pessoas. (Cheguei sem ser convidado, com meus cinco filhos e meu gato. Vamos ficar uma semana. Estou apenas cuidando de mim!) Tenho ouvido pessoas usarem a expressão para justificar, para perseguir e punir outras pessoas, em vez de lidarem apropriadamente com sentimentos de raiva. (Vou gritar e berrar com você o dia todo porque você não fez o que eu queria. Mas não fique zangado. Estou só me cuidando!) Ouvi pessoas usarem essas palavras para evitar responsabilidade. (Sei que meu filho está lá em cima no quarto injetando-se heroína, mas o problema é dele. Não vou me preocupar. Vou pegar meu cartão de crédito e gastar 500 dólares, e não quero nem saber como pagar isso. Estou apenas cuidando de mim mesmo.)
Esses comportamentos não são exemplos do que quero dizer sobre cuidar de nós mesmos. O cuidado próprio é uma atitude em relação a nós mesmos e à nossa vida que diz: sou responsável por mim mesmo. Sou responsável por viver bem ou viver mal a minha vida. Sou responsável por cuidar de meu bem-estar espiritual, emocional, físico e financeiro. Sou responsável por identificar e satisfazer minhas necessidades. Sou responsável por resolver meus problemas ou por aprender a conviver com os problemas que não posso resolver. Sou responsável por minhas escolhas. Sou responsável pelo que dou e recebo. Sou também responsável por estabelecer e alcançar meus objetivos. Sou responsável por quanto eu gosto de viver, pelo prazer que encontro no meu dia a dia. Sou responsável por quem amo e pela forma que escolho para expressar esse amor. Sou responsável pelo que faço a outros e pelo que permito que outros façam a mim. Sou responsável por meus desejos e necessidades. Tudo de mim, cada aspecto de meu ser, é importante. Eu tenho valor. Eu sou importante. Meus sentimentos podem ser confiáveis. Meu pensamento é apropriado. Dou valor a meus desejos e necessidades. Não mereço e não tolerarei abusos ou maus-tratos. Tenho direitos, e é minha responsabilidade assegurar-me desses direitos. As decisões que tomo e a forma com que conduzo a mim mesmo refletirá minha autoestima. Minhas decisões levarão em conta minhas responsabilidades para comigo mesmo.
Minhas decisões também levarão em conta minhas responsabilidades quanto a outras pessoas – meu cônjuge, meus filhos, meus parentes, meus amigos. Examinarei e decidirei exatamente quais são essas responsabilidades, enquanto tomo minhas decisões. Também considerarei os direitos daqueles a minha volta – o direito de viver suas vidas como desejam. Não tenho o direito de me impor sobre os direitos dos outros para tomar conta deles, e eles não têm o direito de impor-se sobre os meus.
O cuidado próprio é uma atitude de respeito mútuo. Significa aprender a viver nossas vidas responsavelmente. Significa permitir que os outros vivam suas vidas como quiserem, contanto que não interfiram em nossas decisões de viver como queremos. Tomar conta de nós mesmos não é uma atitude tão egoística como algumas pessoas consideram que seja, mas tampouco é altruística como alguns codependentes acham que deva ser.
Nos capítulos que se seguem discutiremos algumas maneiras específicas de cuidar de nós mesmos: estabelecer objetivos, lidar com sentimentos, trabalhar o programa dos Doze Passos e outras coisas. Acredito que tomar conta de nós mesmos seja uma arte, e essa arte envolve uma ideia fundamental que para muitos é estranha: dar a nós mesmos o que precisamos.
No princípio, isso pode ser um choque para nós e para nossos sistemas familiares. A maioria dos codependentes não pede o que necessita. Muitos não sabem ou não pensam muito sobre o que querem ou necessitam. (Neste livro usei e usarei os termos necessidades e desejos alternadamente. Considero desejos e necessidades importantes, e tratarei ambos os termos com igual respeito.)
Muitos de nós temos acreditado erroneamente que nossas necessidades não são importantes e que não devemos mencioná-las. Alguns começam até a acreditar que nossas necessidades são más ou erradas, por isso aprendem a reprimi-las e expulsá-las da consciência. Não aprendemos a identificar o que necessitamos, ou a ouvir o que precisamos, porque, de qualquer maneira, isso não importava – nossas necessidades não iam mesmo ser satisfeitas.
Alguns de nós não aprendemos como satisfazer apropriadamente nossas necessidades.
Dar a nós mesmos o que necessitamos não é difícil. Acho que podemos aprender isso rapidamente. A fórmula é simples: em qualquer situação, pare um pouco e pergunte-se: “O que preciso fazer para cuidar de mim mesmo?” Depois, precisamos escutar a nós e ao nosso Poder Superior. Respeite o que ouvir. Esse insano negócio de punir a nós mesmos pelo que pensamos, sentimos e queremos – essa bobagem de não dar ouvidos ao que somos e ao que nosso íntimo está lutando para nos dizer – deve parar. Como você acha que Deus trabalha conosco? Como eu disse antes, não é à toa que achamos que Deus nos abandonou; nós nos abandonamos. Devemos ser gentis e aceitar a nós mesmos. Não somos apenas ou meramente humanos, fomos criados para sermos humanos. E podemos ter compaixão por nós mesmos. Depois, talvez, poderemos desenvolver a verdadeira compaixão pelos outros.3
Ouça o que nosso precioso ser está nos dizendo sobre o que necessitamos. Talvez precisemos apressar-nos para atender a um compromisso. Talvez precisemos descansar e faltar ao trabalho um dia. Talvez precisemos fazer exercícios ou tirar uma soneca. Podemos precisar ficar sozinhos. Podemos querer estar com amigos. Talvez precisemos de um emprego. Talvez precisemos trabalhar menos. Talvez precisemos de um abraço, um beijo ou uma massagem nas costas.
Às vezes, dar a nós mesmos o que precisamos significa dar a nós mesmos alguma coisa divertida: um trato, um novo penteado, um novo vestido, um par de sapatos, um novo brinquedo, ir ao teatro, uma viagem. Às vezes, dar a nós mesmos o que precisamos dá trabalho. Precisamos eliminar ou desenvolver certa característica; precisamos melhorar um relacionamento; ou precisamos lidar com nossas responsabilidades para com outras pessoas ou para com nós mesmos. Dar nos o que necessitamos não significa somente dar-nos presentes; significa fazer o que for necessário para viver de forma responsável – mas sem excessos.
Nossas necessidades são diferentes e variam de momento a momento e de dia a dia. Estamos sentindo a louca ansiedade que acompanha a codependência? Talvez precisemos ir a uma reunião da Al-Anon. Nossos pensamentos estão negativos e desesperados? Talvez necessitemos ler um livro de meditação ou de inspiração. Estamos preocupados com um problema físico? Talvez precisemos ir ao médico. As crianças estão insuportáveis? Talvez precisemos estabelecer um plano familiar quanto à disciplina. Estão desrespeitando nossos direitos? Estabeleça alguns limites.
O estômago está revirando-se de emoções? Lide com os sentimentos. Talvez precisemos nos desligar, ir mais devagar, consertar alguma coisa, intervir em algo, iniciar uma relação ou pedir o divórcio. Nós é quem sabemos. O que achamos que devemos fazer?
Além de nos dar o que precisamos, começamos a falar com as pessoas sobre o que necessitamos e desejamos delas, porque isso faz parte de cuidar de nós mesmos e de ser um ser humano responsável.
Segundo o reverendo Phil L. Hansen, dar a nós mesmos o que necessitamos significa nos tornarmos nosso confidente, conselheiro pessoal, conselheiro espiritual, sócio, melhor amigo e tomador de conta, nessa nova e excitante aventura que iniciamos – viver nossa própria vida. O reverendo Hansen é famoso nos Estados Unidos pela sua experiência em lidar com viciados. Baseamos todas as nossas decisões na realidade, e as tomamos para o nosso melhor interesse. Levamos em conta nossas responsabilidades para com outras pessoas, porque é assim que as pessoas responsáveis fazem. Mas também sabemos que nós também contamos. Tentamos eliminar os “deveria” de nossas decisões e aprender a confiar em nós mesmos. Se ouvirmos a nós mesmos e ao nosso Poder Superior, não seremos mal orientados. Dar a nós mesmos o que necessitamos e aprender a viver vidas que nós dirigimos requer fé. Precisamos de bastante fé para tocar nossas vidas, e precisamos fazer pelo menos alguma coisa pequenina a cada dia para começarmos a avançar.
Ao aprendermos a cuidar e a satisfazer nossas necessidades, perdoamos a nós mesmos quando cometemos erros e nos parabenizamos quando fazemos algo bem. Podemos também não nos sentir mal em fazer algo não muito bem e outra coisa de forma medíocre, porque isso também faz parte da vida. Aprendemos a rir de nós mesmos e de nossa humanidade, mas não rimos quando precisamos chorar. Levamo-nos a sério, mas não a sério demais.
No final das contas podemos até descobrir essa espantosa verdade, poucas situações na vida melhoram quando não cuidamos de nós mesmos e não damos a nós mesmos o que necessitamos. Na verdade aprendemos que a maioria das situações melhora quando cuidamos de nós mesmos e atendemos às nossas necessidades.
Estou aprendendo a descobrir como cuidar de mim mesma. Conheço muitas pessoas que aprenderam ou estão aprendendo a fazer isso também. Acredito que todos os codependentes podem conseguir isso.
ATIVIDADE
- Ao longo dos próximos dias, pare e pergunte a si mesmo o que precisa fazer para cuidar de si mesmo. Faça isso com tanta frequência quanto necessitar, mas pelo menos uma vez por dia. Se estiver passando por uma crise, talvez seja preciso fazer isso a cada hora. Depois, dê a si mesmo o que necessita.
- O que você precisa das pessoas a sua volta? Numa hora apropriada, sente-se com elas e discuta o que precisa delas.
Do livro: Codependência Nunca Mais, Pare de Controlar os Outros e Cuide de Você Mesmo, [recurso eletrônico] Melody Beattie, 5ª Edição, Viva Livros, 2017